Análise ética protestante e o "espírito" do capitalismo


Os países em que se ocorreram grandes mudanças econômicas, rumo a um Estado cada vez mais capitalista e que culminaram em revoluções industriais, tinham na grande maioria da população, pessoas ligadas à religiões protestantes. Em especial, os novos burgueses que surgiram nos períodos de desenvolvimento do capitalismo. 

O sociólogo Max Weber [1] então faz um estudo para tentar entender as correlações entre a forma de vida protestante e a sua influência na formação de um "espírito" capitalista, e como isso modifica a forma de vida em sociedade.

É importante salientar desde já que o capitalismo para Weber é muito mais do que a busca pelo lucro, é na verdade, uma forma de racionalização, de administração da vida, principalmente em seus fatores econômicos. 

Tendo em vista essa noção, partiremos de uma análise histórico-sociológica para entender a importância da reforma protestante para o aprimoramento do espírito capitalista. É evidente que o capitalismo teve seu êxito maior em países ocidentais, com especial destaque para a Europa e os EUA. A Europa teve durante toda a idade média uma predominância do catolicismo, e tal influência da religião católica moldava os aspectos culturais da sociedade europeia.

O homem católico tinha como convicção que a sua fé, seus arrependimentos e que as boas obras o levariam a salvação eterna, era uma vida voltada a Deus. Como resultado de tal convicção, os católicos viam o trabalho como uma forma de garantir sua sobrevivência no mundo físico apenas, tanto que a igreja católica condenava o lucro.

Trabalhar mais do que o necessário para sobreviver e com o intuito de enriquecer era visto como uma forma de pecado (pecado da usura). Essa concepção casava assim com a definição de conduta do homem segundo Max Weber, que: "O ser humano não quer 'por natureza' ganhar dinheiro e sempre mais dinheiro, mas simplesmente viver, viver do modo como está habituado a viver e ganhar o necessário para tanto." Ou seja, o homem vive de acordo com aquilo que está habituado, seus valores, suas crenças, sua religião e etc. 

Porém tal forma de viver o mundo não limita os católicos a uma inércia no mundo, tanto é que houve durante a idade média muitas evoluções tecnológicas, principalmente em ferramentas agrícolas, infraestrutura e militar. O homem adaptava-se de acordo com as suas necessidades, e assim evoluía, apesar de suas limitações quanto ao acúmulo de capital funcionando como uma forma de freio rumo ao avanço capitalista.

Um fator muito importante para mudar a estrutura social europeia foi a reforma protestante, e com ela, foram reformuladas muitas das ideias circulantes, e como se amplamente difundiram, acabaram por influenciar a grande maioria da população a começar a mudar o cotidiano e também a forma de viver das pessoas. 

Analisemos o modelo calvinista e as ramificações pietistas do protestantismo, que sob a ótica de Max Weber, foi o movimento religioso reformador mais importante e influente no entendimento do espírito capitalista. 

Os calvinistas acreditam na predestinação, que o indivíduo já é predestinado a salvação ou não, não cabe a ele se salvar, mas isso é uma escolha divina que em seus motivos é incompreensível ao ser humano — a menos que Deus o quisesse revelar — na vida do calvinista, seu objetivo maior não é buscar a Deus, mas agradar a Deus, segundos suas vontades. 

Dessa maneira, cabe ao calvinista operar o mundo da forma como Deus o ordenou, sem dar voz aos pecados e as coisas mundanas, isso faz com que o calvinista tenha cada vez mais tempo para dedicar suas atividades aquilo que Deus realmente o ordenara, uma delas é o trabalho.

Max Weber em sua análise sobre o calvinismo diz "A todos, sem distinção, a Providência divina pôs à disposição uma vocação que cada qual deverá reconhecer e na qual deverá trabalhar, e essa vocação não é, como no luteranismo, um destino no qual ele deve se encaixar e com o qual vai ter que se resignar, mas uma ordem dada por Deus ao indivíduo a fim de que seja operante por sua glória."

Richard Baxter, importante reformador puritano, diz acerca do trabalho que: “Fora de uma profissão fixa, os trabalhos que um homem faz não passam de trabalho ocasional e precário, e ele gasta mais tempo vadiando que trabalhando”, e o mesmo se nota quando ele conclui da seguinte maneira: “...e aquele (que tem uma profissão) fará seu trabalho de forma ordenada, enquanto um outro patina em perpétua confusão, com negócios a fazer não se sabe onde ou não se sabe quando; ... eis por que uma profissão fixa é o melhor para todo mundo”. 

Tendo em vista esses mandamentos, o puritano deve se dedicar ao trabalho afim de agradar a Deus, fazendo isso de forma produtiva e com ênfase no aproveitamento, como evidência Baxter.

Tal devoção ao trabalho e o aproveitamento, refletido no tempo, levaram a doutrina puritana a mudar o rumo sócio econômico europeu. Cada vez mais a busca por excelência e produção foram buscados, não por um egoísmo materialista, mas por uma visão de mundo que via os seus feitos como uma maneira de agradar a Deus. 

Tal consequência desse modelo foi a evolução tecnológica, divisão de trabalho e acúmulo de capital, já que o puritano como se desviava dos pecados, principalmente da luxúria e avareza, usava o seu lucro para reinvestir, assim a economia era influenciada para um maior crescimento tecnológico e de produção e os protestantes cada vez mais se tornavam burgueses.

A acumulação de riqueza pode parecer em si um pecado, mas Baxter diz "Se Deus vos indica um caminho no qual, sem dano para vossa alma ou para outrem, possais ganhar nos limites da lei mais do que num outro caminho, e vós o rejeitais e seguis o caminho que vai trazer ganho menor, então estareis obstando um dos fins do vosso chamamento, estareis vos recusando a ser o administrador de Deus e a receber os seus dons para poderdes empregá-los para Ele se Ele assim o exigir. Com certeza não para fins da concupiscência da carne e do pecado, mas sim para Deus, é permitido trabalhar para ficar rico.

Portanto, toda essa forma de ver e agir no mundo, foram de fundamental importância para o surgimento de um espírito capitalista, mesmo naqueles povos não puritanos que iriam vir a seguir, mesmo que apenas por utilidade. [2][3]


REFERÊNCIAS

WEBER, Max (2004). A ética protestante e o “espírito” do capitalismo. São Paulo: Companhia das Letras (Tradução de José Marcos Mariani de Macedo)

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