O Sábio e o Poder
Artigo escrito pelo advogado Antonio Gonçalves Honório.
A sabedoria e o governante
Na Antiguidade o sábio e o poder eram produtos de uma mesma realidade. Geralmente os governantes eram considerados sábios. Era quase impossível alguém chegar ao poder sem o dom da sabedoria devidamente reconhecida pela população, a não ser pela força das armas e pela violência. Entre os gregos nem mesmo a força popular, era um instrumento legítimo de exercício do poder político. Para Sófocles, sábio é o que não se envergonha de aceitar a verdade nova e mais sábio, é o que aceita sem hesitação.
O critério mais forte na antiguidade para escolha dos governantes era o saber e a justiça. Assim os escolhidos para governar eram os mais velhos, sábios e guerreiros. Os velhos pela experiência de vida e poder de educar pelo exemplo. Os sábios pelo senso de justiça na aplicação da lei e entendimento da natureza por meio do exercício da razão. Os guerreiros pela força física e a força das armas para defender o povo, suas riquezas e seu território.
A sabedoria era concebida como um dom de Deus e para muitos ainda continua sendo. Assim sendo, os sábios eram escolhidos por Deus para guiar seu povo, como foi o caso de Moisés e Salomão e tanto outros no Egito, na Mesopotâmia, em Roma, na Idade Média e até mesmo na primeira fase na modernidade, conhecida como Antigo Regime ou época dos reis absolutos dos tempos modernos.
O critério velhice e sabedoria associados a divindade, permaneceu intocável até o advento do nascimento, vida e testemunho de Jesus Cristo.
Com Cristo muitos conceitos, disciplinas e hábitos de pensar foram questionados ou modificados. Cristo e o cristianismo produziram uma revolução ética e moral sem precedentes no Ocidente, e até hoje inconclusa, que abalou os pilares do poder, do tempo e da vida.
Como esse fenômeno do nascimento de Jesus Cristo pode ser explicado? O que levou uma criança ameaçar o poder constituído pela sabedoria e tradição antiga? Como se encontrava a sociedade aquela época?
Em primeiro lugar ideia do sobrenatural, da pureza da alma que representa uma criança que viria ao mundo para salvar os homens do pecado. Em segundo o simbolismo que representa a criança para constituição da família. Nada é tão representativo para formação de uma família do que nascimento de uma criança, e isso, comoveu a todos, e por outro, fez com que as autoridades da época se sentissem ameaçadas.
O poder foi ameaçado pela simbologia que o nascimento de uma criança representa, e pelo o que a própria criança naquele momento histórico representava: a libertação individual e coletiva de homens e mulheres pelo amor de que Deus estava conferindo a toda a humanidade. Amar a Deus seria a transformação da natureza bruta em natureza humana e a conseqüente libertação do homem do pecado.
Por outro lado, a sociedade não estava preparada para receber uma criança poderosa que iria promover liberdade a todos e salvá-los, afinal criança até então não tinha qualquer espécie de direito. Além do mais, Cristo viria representar a palavra de Deus (Pai) e exercer sua autoridade. Portanto, seria um sábio.
Jesus Cristo trazia em si o enigma da sabedoria, e as multidões a ele acorreram sedentas do saber: Jesus ensinava todos os dias no templo, mas a noite, saindo, ia pousar no monte das Oliveiras. E todo o povo madrugava para ir ter com ele no templo, a fim de ouvi-lo (21. 37, 38 Oc 19.47.).
O saber ou fonte dele, sempre atraiu multidões e fazia com que as pessoas se deslocassem a grandes distâncias para ouvir os sábios. Essa metodologia permaneceu até o advento do conhecimento racional. Com a racionalidade os grandes sábios passaram a ser filósofos e professores formados em instituições escolares específicas, permanecendo assim até o século XIX como instituições aristocráticas.
A racionalidade desenvolveu o método científico, em que a educação formal pode ser adquirida através da formação de alguns hábitos, como por exemplo: estudar, repetir, pesquisar e ser avaliado como um grande pensador por seu mestre.
Essa forma de conceber a essência e a realidade do mundo tem produzido sábios medíocres, especialmente no que se refere ao sentimento de justiça. Aliás, o sentimento de justiça, foi banido pelo positivismo jurídico, que o julgava inconciliável com o saber científico puro. Assim a comunidade passou a ver o sábio como um ateu. A sociedade passou a vê-lo como um homem desprovido de qualquer sentimento popular.
Com a racionalidade, os sábios perderam progressivamente público, haja vista que, não é mais necessário ouvir para aprender. Aprender passou a ser sinônimo de repetição, de cópia e não de um hábito de ver, ouvir e refletir.
Há várias maneiras de estudar as ciências. Encontramos em grande número de homens um gosto egoísta, mercantil e industrial pelas descobertas do espírito, que não devemos confundir com a paixão desinteressada que se acende no coração de uma minoria; há um desejo de utilizar conhecimentos e um puro desejo de conhecer. Não duvido que nasça, de longe em longe, em alguns, um amor ardente e inesgotável pela verdade, que se alimentas de si mesmo e goza incessantemente, sem nunca satisfazer-se. É esse amor ardente, orgulhoso e desinteressado pelo verdadeiro que leva os homens até as fontes abstratas da verdade, para aí beber as ideias-mães. - Alexy de Toqueville (pensador francês).
Escolhemos professores e governantes como exemplo; como exemplo de sabedoria, porque esses estão em contato permanente com o público. E por se constituírem, historicamente, como senhores da sabedoria. Mas podemos citar, na atualidade, jornalistas que apelam em suas reportagens para ter público, advogados que apelam para ter platéia, clínicas médicas com grandes redes de publicidade, televisão que apela com promoções e cenas insinuantes, sindicatos que fazem sorteio de brindes em datas comemorativas e mesmo assim, o público continua escasso.
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